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Jornalista é ser ou não ser - Luís Carlos Castro Palma, o Batata (16/09/1940 – 28/12/2009)

Divagação Caipira


Datado de 2 de Agosto de 2004 e com o título: Divagação Caipira, este texto do Batata mais uma vez nos remete à sua infância. Convicto que seu mundo era conhecido e sabido de todos os viventes terrenos, ele passa por cima dos personagens sem dizer quem são, onde estão, etc, crente que todo leitor saberia de quem ele está falando. É que todos os textos dele foram escritos depois de uma carreta de cerveja, no varão de madrugadas solitárias e silenciosas. Todos os personagens aqui abordados eram pessoas que trabalhavam na fazenda Bela Vista – Altinópolis, de propriedade dos nossos avós, isso lá pelos anos 1950 e 1960.
Ah, Batata, por que você foi inventar de fazer uma cirurgia na quadra dos 69 anos sem a mínima necessidade? Agora me toca a publicar os seus sonhos. Mas pensando bem, diante do irreversível, até que é bom. Uma ótima leitura.

Divagação Caipira
By Batata

Aquele galo. Cor da prata no corpo e o colete vermelho das asas. Esporas no bom ponto para as batalhas, crista lembrando pitangas maduras, porte de senador da república encasacado. Ele, na madrugada, clarinava acordando os outros galos. Ainda moço já era chamado de "Roscófi " (corruptela da famosa marca de relógios). Clarinou para as cinco.
Dadinho, acordado, só esperava aquela ordem para se levantar. Separou as cobertas e colocou os pés no chão. Olhou no desvão das telhas com a parede, ainda estava escuro. A sua esposa, dormindo, tossiu aquela tossezinha que fala que a cama estava boa. Usou o penicão do casal, vestiu–se e foi lavar o rosto. Antes, colocou quatro cabeças de palha de milho nas brasas do fogão de lenha. Brasas com jeito de quem quer continuar dormindo com um olho acordado. Saninha chegou para fazer o café. Um dos meninos tossiu no quarto. Momento íntimo. Conversaram coisas que só casais de bons caipiras conversam enquanto o café da madrugada ainda é água por ferver acima daquele fogo que, ressuscitado dura até a próxima madrugada.
O sino da sede bateu um toque. O patrão, no alpendre da frente da sede, esperou a reunião completa do pessoal que chegava com a enxada nos ombros Deu bom-dia. "Vamos voltar para o talhão do *Pede Conta”. Segunda era começo da tarefa – colocou as mãos na guarda do gradil do alpendre - Onti, na terça, vocês só fizeram barulho para espantar cobras. Hoje é quarta, meio da semana, preciso do trabalho do colono que vai ficar na fazenda. Depois passo lá".
Nove horas, dois toques, hora do almoço. Alegria no eito. Familiares, que trouxeram o caldeirãozinho com a comida fazem a hora alegre, Crianças correm, cachorrões se ajeitam perto do trabalhador, cachorrinhos simulam lutas. Homens e mulheres conversam como se estivessem na chegada de uma longa viagem sem ter saído do lugar. Falas para se descansar . Suor honesto e alegria. Caricia divina.
"Eito duro. Isso aqui devia de chamar " pede conta " , comenta Dito Reis enquanto descasca enorme banana nanica da sobremesa. Camaradagem. Volta ao trabalho ao terceiro toque do sino. Tobias, o fiscal, repassando, reparou que Dadinho ainda estava sentado com o queixo apoiado na mão. Viu que ele havia encarreirado oitos enormes cascas de banana nanica . Ouviu do incrível hominho: "Cumpadri eu só queria saber quantso palmo de tripa que o cumpadi Dito Reis encheu só daquelas banana que ele comeu aqui pertim de mim".

* Pede Conta era o apelido de um talhão de café que ficava numa ecosta e que tinha muita pedra e muita cobra. Ninguém gostava de trabalhar num lugar daqueles, daí o nome Pede Conta.

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